quarta-feira, 1 de janeiro de 2020

VIRMAM FALA SOBRE PÁSSAROS


VIRMAN FALA DE PÁSSAROS


















(Foto ilustrativa do acervo de 
O Escritor na Livraria) 







Tobias Barreto, 07 de outubro de 2019

Olá, Amigo Saracura,

Creio que agora, passadas as tribulações da Bienal, já poderá ler meu pequeno comentário sobre sua mais recente grande obra. Parabéns. Você, realmente, como quem não quer nada, vai mexendo com os sentimentos alheios, não lhe importando se faz rir ou chorar, não é? Mais uma vez, senti-me envolvido na trama dos seus personagens que, num tempo próximo ao meu, correram caminhos por onde passei e sofreram sofrências semelhantes. Estou certo de que você, tal qual Zé de Ulisses, venderá sua "farinha" com muita facilidade, pois ela é, de fato, de excelente qualidade.  

Um grande abraço de Vírman:

PÁSSAROS DO ENTARDECER! Chegou! Eram dezessete horas e vinte e três minutos de dois de outubro. Tomei-o e comecei a lamber pelas beiradas: a capa, a contracapa, as orelhas, o sumário... O pau-de-arara cheio, encimado pelo urubu cabeça vermelha; um resumo da epopeia, excertos do romance e comentários sobre os livros do autor.

Eu já tinha certeza de que iria gostar, como gostei dos anteriores. Mas não iria cometer o mesmo desatino que cometera, quando li os demais. Na minha ânsia de ler tudo de vez, esquecera que o melhor da refeição é o mastigar vagarosamente com os maxilares e deixar que, através da deglutição lenta, desça o bolo alimentar pela faringe, em forma de pasta, para lhe sentir todo o sabor.  Desta vez, não. Iria jantar, rezar o terço de N. Senhora e acompanhar a missa de N. Senhor pela televisão e, aí, sim, ir ao Sumário, onde encontraria cento e quinze títulos, cada qual mais gostoso de se ler, contando as “sofrências” de Zé de Ulisses, deste próprio e de Omerin.
Zé de Ulisses, principal personagem do romance, tal qual urubu de cabeça vermelha, com olfato e visão ultra desenvolvidos, descobria meios de sobrevivência até em mata fechada. Não levara siringe – órgão vocalizador – para que ninguém lhe ouvisse os “ais” da fome, do frio e do cansaço sofridos. Queria vencer para chegar na terrinha como herói. Entre idas e vindas chegou e, como verdadeiro herói, criou dez filhos, ensinando-lhes o caminho certo do trabalho e da decência. 
Sua leitura, recordou-me os tempos de migrante, quando passei uma semana na carroceria de “Céu Azul”, na década de quarenta, viajando do Bandeira, em Itororó – “no Sul” - para os “Campos de seu Thomé”, quando vi a suçuarana, de noite, comendo os ossos de galinha, jogados de cima do carro pelos passageiros. Fez-me também voltar à memória minhas “migrâncias” por Presidente Prudente, Presidente Epitácio, Guaíra, Foz de Iguaçu e até Assunção, onde estive em 1960. Mas aí já era passeio.

A leitura de “Pássaros do entardecer” levou-me a um estado de nostalgia que eu não sabia explicar se era tristeza ou saudade gostosa ou ambas “juntas e misturadas”. Tal qual Zé de Ulisses, o sonho de voltar para “minha Terra Vermelha” rondava minha cabeça. Por mais que parecessem vantajosas as perspectivas casamenteiras com alguma fazendeira de Corumbá, maior era a vontade de retornar à minha Campos, livre e desimpedido de “bagagem” para ter liberdade de escolha.

Mais uma vez, não adiantou querer dominar-me e mastigar com vagar. Os textos de “Pássaros do entardecer” – por pequenos e pela arte com que são escritos - são um convite para ler-se o seguinte, assim que se termina o anterior. Desta forma, senti-me envolvido por uma simbiose de sentimentos alegres e tristes – mais alegria que tristeza – levando-me, de uma assentada, à página 181 e no dia seguinte...
pronto, acabei.

(Vírman, Tobias Barreto/SE, 2019).

xxx

(Saracura responde o email:

Amigo Virman,

Quem me dera ter mais leitores como você, meu irmão! Que não deixa o livro dormir, que sofregamente o absorve, que se deixa envolver, que se entrega e que lambe os beiços ao final, querendo mais ainda. Esse finzinho eu abusei, pois não chegou a tanto. Mas poderia muito bem ter chegado, pelas 181 páginas devorados de uma assentada e as outras 113 de outra. Nessa nossa idade, ninguém faz o que você fez sem justo motivo.

Obrigado, por mais essa força e esse prêmio que sua resenha me dá. 

Estou aqui comemorando vitória, fazendo uma festa dentro de mim, aproveitando porque não é sempre que ocorre.  Um cabrinha escaldado de cocorote, estranha e fica mesmo abestalhado e só lhe sai da boca obrigados e obrigados, que são pedaços da gratidão que toma conta de mim.

Um grande abraço, Saracura, em 2019out07.


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